Num mundo indubitavelmente global, a aprendizagem de línguas estrangeiras
(LE) revela-se cada vez mais imprescindível e urgente. A crescente mobilidade
internacional a par da consequente cidadania europeia e mundial concorrem para
a promoção inevitável da diversidade linguística e para o desenvolvimento de
competências comunicativas e interculturais, tão apregoadas pelos órgãos de
governação educativa europeus.
Neste contexto, o Conselho da Europa, com a criação do Portefólio Europeu de
Línguas, incentiva a aprendizagem de várias línguas estrangeiras não só dentro e
fora do sistema escolar, mas também como meio de facilitar a mobilidade global,
implicando inevitáveis e necessárias adaptações linguísticas ao país de acolhimento.
Neste sentido, o processo ensino/aprendizagem das línguas estrangeiras deve ter
também em conta a necessidade de incorporar elementos culturais e literários na
prática letiva pela sua pertinência no desenvolvimento de competências linguísticas.
Também o Quadro Comum Europeu de Referência para as Línguas (QECR) veio
impor transparência, uniformidade e coerência nos níveis de competência a alcançar
nas línguas estrangeiras com vista a uma aprendizagem cada vez mais próxima de
contextos reais de comunicação, sustentada por uma abordagem comunicativa.
Além disso, novos métodos de ensino pretendem melhorar eficazmente a relação
dos aprendentes com as línguas estrangeiras.
Desta forma, colocam-se novos desafios ao ensino das línguas estrangeiras não
apenas em Portugal, mas também a nível europeu, visando potenciar a relação
sociolinguística e cultural que subjaz à aprendizagem das línguas estrangeiras.
Neste contexto, o Colóquio Internacional de Línguas Estrangeiras (CILE) foi pensado
e organizado no sentido de se constituir como uma visão abrangente sobre as
múltiplas facetas das línguas estrangeiras, que vai para além de questões meramente
linguísticas. “De uma língua para a outra: perceções culturais e linguísticas” constituiu,
portanto a grande linha orientadora do Colóquio. As expressões culturais, literárias e
artísticas fluem natural e inevitavelmente das línguas, daí a facilidade em atribuir um
duplo sentido à sigla CILE que pode também simbolizar culturas e identidades, assim
como a fusão das literaturas e línguas estrangeiras, consubstanciada no neologismo
litero-línguas.
Este volume resulta, portanto, das comunicações apresentadas no I CILE (2015)
e norteia-se pelos seguintes objetivos: reunir investigação no sentido de discutir
questões da atualidade no domínio das línguas e nas suas diversas manifestações;
dar voz a tendências recentes no ensino das línguas; partilhar experiências de ensino;
refletir sobre os desafios do ensino das línguas estrangeiras não apenas em Portugal,
como a nível internacional; debater o uso da LE como ferramenta de sobrevivência
para uma integração no mundo novo, problematizando, nesta sequência, a questão
identitária.
Pelas razões infra expostas, organizamos o presente volume tendo em conta
as diferentes áreas interdisciplinares que guiam a prática das LE. Assim, os artigos
obedecem à seguinte disposição temática: Cultura e literatura:
• “Jorge Semprun et Elie Wiesel: le choix du français pour témoigner une
expérience concentrationnaire”, Ana Maria Alves
• “Estudios Culturales y ELE: ¿matrimonio de conveniencia?”, Blanca Ripoll
Sintes
• “George Orwell’s “Politics and the English Language”. Euphemisms and
metaphors in wartime Britain”, Elisabete Mendes Silva
Didática das línguas:
• “Mindful (Re)Considerations for Young Learner English Classes”, María del
Carmen Arau Ribeiro
• “Terminologie et didactique des langues : le mariage est-il possible pour un
meilleur enseignement de la traduction?”, Christine Deschamps
Estudos de caso no ensino de Línguas Estrangeiras:
• “The ReCLes.pt CLIL Project in Practice: Teaching with results in Higher
Education”, María del Carmen Arau Ribeiro, Margarida Morgado, Isabel
Chumbo, Ana Gonçalves, Manuel Moreira da Silva e Margarida Coelho,
• “Evaluating Projects involving ICT and Task-Based Language Teaching”, María
del Carmen Arau Ribeiro, Maria Paula Martins das Neves, Luísa Queiroz de
Campos e Walter Best
• “Needs of Higher Education Students as regards Language Examinations”,
Cristina Perez-Guillot e Julia Zabala-Delgado
Novas tecnologias na sala de aula:
• “Las Nuevas Tecnologías para el Desarrollo de la Expresión Oral Fuera del
Aula”, Tamara Aller Carrera
• “Twitter in the Language Learning classroom at the university: an
experimentation for Dynamic and Authentic Assessment”, Annamaria
Cacchione
O III Colóquio Internacional de Línguas Estrangeiras (CILE), realizado em outubro
de 2019, cujas atas se apresentam neste volume, subordinou-se à seguinte temática:
“Politicamente incorreto: será o mundo dos poliglotas?”. O título do volume –
Culturas, Identidades e Litero-Línguas Estrangeiras – representa uma extensão da
sigla do Colóquio, porque surge como pertinente e representativa da abrangência
deste Encontro Internacional e consentânea com os objetivos subjacentes ao
mesmo. As múltiplas expressões das línguas estrangeiras assumem, por isso, uma
importância incontornável no mundo atual, tendo igualmente constituído elementos
de reconhecido mérito e influência.
Ao longo da história, várias línguas se assumiram como lingua franca pela conquista,
pelo comércio e pela conversão religiosa (cf. Ostler, 2011), inevitavelmente associadas
à construção de impérios. Vejam-se os exemplos do grego, latim, português, espanhol,
alemão, francês e inglês. Tal evidência resultou numa uniformização linguística,
cultural e política, ainda que a par destas coexistissem as línguas vernáculas.
A valorização das culturas nacionais, sob os auspícios do pluralismo cultural
herderiano, ganhou novo fôlego com a recuperação de tradições e costumes, da
literatura tradicional, muitas vezes de pendor regionalista (cf. Contos dos Irmãos
Grimm, o Romanceiro de Almeida Garret, Rimas y leyendas de Gustavo Adolfo Bécquer
ou os Cuentos de Encantamiento de Fernán Caballero), e das variedades linguísticas
consideradas exóticas. No entanto, e paradoxalmente, nasce também a noção de
norma padrão ou de prestígio que faz parte do discurso das nações em processo de
afirmação, ou seja, se por um lado se defendem as peculiaridades linguísticas, por
outro, procura-se abafá-las para que estas sejam substituídas pelas línguas nacionais
em emergência. Com o desenvolvimento do método comparativo e a descoberta das
famílias das línguas (com base no seu parentesco), impõe-se também um processo
de prescritivismo linguístico que só se vai paulatinamente desconstruindo durante o
século XX.
Com base nestes novos princípios, começa a falar-se de línguas de prestígio (ou
prestigiadas) a par de línguas minoritárias (ou menorizadas) social ou culturalmente,
criando-se estigmas linguísticos que pouco favorecem o convívio transcultural e
translinguístico. O prestígio inerente a determinadas variedades em nada se relaciona
com categorias morais ou éticas, mas antes com a ideologia de que destas emana.
No contexto atual, o inglês, como uma das últimas lingua franca, impõe-se nas
organizações internacionais e multinacionais como a ponte linguística preferencial,
sem esquecer a forte presença comercial do chinês na economia internacional. O uso
de uma língua única leva-nos a questionar se esta postura não será politicamente
incorreta, demasiado redutora de uma realidade por natureza multilinguística,
poliédrica, transnacional e nómada. Nesta linha de pensamento, apresentamos o
desafio de contrariar esta tendência monolinguística e uniformizadora, valorizando
também todas as línguas e culturas sem preconceitos.
Esta foi a premissa principal que norteou o debate do III CILE, em 2019, uma
vez que acreditamos que a aprendizagem de uma panóplia de línguas e culturas estrangeiras pode abrir portas ao diálogo, ultrapassar fronteiras, tender pontes em
conflitos e enriquecer culturas. No mundo atual, que afirma fronteiras e reafirma
identidades para ultrapassar a desconexão e a incomunicabilidade, acreditamos
no poliglotismo natural dos espaços transfronteiriços, no cosmopolitismo cultural
secular e na porosidade dos mesmos, apesar da globalização tão marcada no mundo
digital.
Atualmente, já não basta falar uma só língua estrangeira, a globalização, a
“desterritorialização”, a “deslocação” das migrações, da diáspora e do exílio exigem
que sejamos poliglotas capazes de nos exprimirmos para estabelecer relações
interculturais e, como afirma Edward Said (2005, p. 141), cultivar a perceção da
diversidade em termos de diferentes mundos e tradições. Na visão de Aínsa (2015),
somos poliglotas porque todos somos estrangeiros nesta sociedade transcultural,
passageiros em trânsito de um cronótopo que nos faz nómadas, errantes e mestiços
num mundo em eterno presente fugaz. Os benefícios do multilinguismo são enormes
para nos auxiliar a ultrapassar o fosso linguístico entre culturas. A língua deixa de ser
pátria porque todas elas serão meramente temporárias (Said, 1996, p. 76). Atravessar
fronteiras leva a romper barreiras de pensamento e de experiência, levando-nos a
despertar para uma aprendizagem plural de línguas, para a reconquista da Torre de
Babel.
No III CILE, foram propostos diversos temas e tópicos para discussão, dos quais os
seguintes se encontram abrangidos nas presentes atas:
• Os escritores poliglotas
• A força das línguas mortas
• Monolinguismo vs. Plurilinguismo
• LE/cultura, memória e identidade
• Tradução e ensino das LE
A todos os autores expressamos os nossos agradecimentos pela colaboração e
disponibilidade manifestadas na publicação1 dos seus textos.