No capítulo primeiro, enquadramento temático do estudo, procuramos estabelecer e compreender as relações existentes entre a entreajuda (cooperação comunitária) e as novas formas de associativismo e cooperativismo agrário (ACA). Por um lado, tomámos consciência de que a entreajuda, ao mesmo tempo que mitigava as dificuldades de muitas famílias camponesas, ajudava a perpetuar as desigualdades sociais entre elas. Por esta razão, moderámos a nossa crença inicial no sentido de equidade social subjacente à entreajuda. Por outro lado, a desarticulação do espaço e do tempo introduzidas pela globalização e modernização, faz com que os membros das ACA sejam relativamente “estranhos” uns aos outros, separados pela natureza e dimensão dos seus interesses, e cada vez mais sujeitos de linguagens e conceptualizações que não dominam, ou dominam mal. Em conformidade, levantámos a hipótese, posteriormente verificada, das ACA serem identidades colectivas construídas de início, isto é, novas imanências sociais e não imanências enxertadas na “velha” entreajuda.
O capítulo segundo é dedicado ao enquadramento teórico e conceptual que permitiu a construção do objecto de estudo. Dele consta, designadamente, a abordagem às particularidades das ACA enquanto organizações do denominado terceiro sector e a análise do processo de construção da identidade pessoal e profissional. De entre as diferentes teorias da identidade pessoal, centrámos a nossa atenção naquelas que se inserem dentro da lógica da subjectivação proposta por Dubet (1996), que concede grande importância ao papel do actor, da interacção entre actores e da interacção entre actores e instituições. Encontrámos por esta via um elo de ligação, um processo partilhado, entre a construção da identidade profissional dos técnicos superiores das ACA e a construção das identidades colectivas que são as ACA. Conceptualmente, este processo partilhado é próximo do processo comunicacional e de imersão na cultura (socialização), proposto por Dubar (1995) e segue na esteira dos ensinamentos de Mead, Erikson, Berger e Luckmann, Giddens, Friedberg, entre outros. Assim, se fossemos capazes de estudar interpretar e compreender o processo partilhado de construção de identidades, cumpríamos o nosso objectivo central de estudar o associativismo e cooperativismo em Trás-os-Montes e Alto Douro (TMAD) a partir de dentro, traçando dele um retrato emancipatório, que nos habilitasse a contribuir para a evolução daqueles movimentos. Foi este o caminho que tomámos. Ainda neste capítulo, no decurso das leituras sobre as identidades profissionais e do trabalho de campo exploratório, desenvolvemos teoricamente a problemática do uso do conhecimento por parte daqueles profissionais, embora de forma breve e hipotética.
No capítulo terceiro tratamos as opções metodológicas seguidas. O presente trabalho obrigou-nos à mobilização de conhecimentos das ciências sociais e das ciências agronómicas. Dentro das ciências sociais, beneficiámos, em particular, da abordagem interacionista de Mead e da abordagem praxeológica de Bourdieu. A metodologia foi escrita em dois tempos distintos da investigação, antes e depois do trabalho de campo. A primeira fase dá conta das intenções e a segunda daquilo que conseguimos concretizar. Ao longo do texto, introduzimos em rodapé algumas notas metodológicas, isto deve-se ao desejo de sincronizar os momentos de reflexão metodológica com os factos vividos, fazendo perpassar a imagem de avanços e recuos subjacente à investigação sociológica.
No capítulo quarto retratamos, em termos quantitativos, o estado actual das ACA em TMAD. Ficámos a saber que são em número superior ao desejável (cerca de centena e meia) e que padecem mais da falta de empenhamento dos associados e cooperantes, do que da falta de recursos técnicos e materiais. A partir da perspectiva dos técnicos, tomamos conhecimento das suas principais missões e problemas, do seu posicionamento em relação às organizações do sector público e privado, do modus vivendi técnico e relacional e, ainda, do grau de satisfação/concordância dos técnicos com as condições de trabalho e resultados do mesmo. Apresentamos, por fim, o caso particular de uma ACA que cumpre as suas principais missões, que tira partido do seu estatuto social e se mantém acima do limiar de sustentabilidade social e económica. Um caso de sucesso. Um exemplo concreto de que as ACA em TMAD podem constituir uma forma organizacional útil e viável.
O capítulo quinto é dedicado a construção da identidade profissional dos técnicos das ACA. Destacamos a relativa homogeneidade deste grupo profissional. Contudo, é possível encontrar diferentes identificações relativas à origem, situação profissional e representação da posição das ACA no campo agrário. Na construção identitária observámos o papel de relevo da socialização primária (ligação dos técnicos à actividade agrária e à ruralidade de TMAD) e da socialização secundária na sua fase escolar (educação superior agrária) e em contexto de trabalho (interacção quotidiana com outros actores das ACA). É o contributo destas três “fontes” para a forma de ser e de estar destes profissionais que merece ser destacado.
O capítulo sexto revela a forma como os técnicos das ACA usam o conhecimento abstracto e implícito na sua intervenção profissional quotidiana. Verificámos que a forma como recontextualizam o conhecimento abstracto e o conhecimento implícito, ou seja, o estilo de uso do conhecimento, constitui um traço distintivo da identidade profissional. O processo de recontextualização é consubstanciado na articulação e conjugação dos três sentidos do uso do conhecimento, o sentido técnico-estratégico, o sentido interpretativo-justificativo e o sentido contextual na sua dimensão relacional e prudencial.
O capítulo sétimo é dedicado à relação entre a identidade profissional dos técnicos das ACA e o uso do conhecimento em contexto de trabalho pelos mesmos. Verificámos que o estilo de uso do conhecimento constituí-se como uma marca identitária importante, muito embora seja matizada pelo efeito conjugado da origem e da situação profissional dos técnicos. Em conformidade, a construção identitária dos técnicos e das ACA (identidade colectiva), é um processo comum, partilhado, sendo muito complicado e quiçá desnecessário, dizer se é a identidade ACA que “molda” os técnico, ou a identidade técnico que “molda” a ACA. Preferimos pensar que emanam ambas da mesma matéria e do mesmo “cadinho”, ou seja, das vicissitudes culturais, socioeconómicas e políticas de TMAD.
Por último, no capítulo oitavo, tentámos responder às questões levantadas aquando da construção do objecto de estudo. Todavia, algumas das questões iniciais foram reformuladas e outras emergiram nas fases mais avançadas da investigação. Ao contrário dos três capítulos precedentes, nos quais se apresenta e analisa os resultados, neste o investigador deixa prevalecer a sua reflexão sobre os fenómenos observados, muito embora respeite a essência das opiniões recolhidas e das experiências partilhadas com os actores das ACA. Começaremos por responder às questões relativas ao uso do conhecimento, depois às relativas à construção das identidades profissionais e identidades colectivas e, finalmente, às que dizem respeito ao associativismo e cooperativismo em TMAD.
The first chapter highlights the existing relations between the “entreajuda” (communitarian cooperation) and the new agrarians associative and cooperatives organizations (ACA). On one hand, I’ am aware of that the “entreajuda” while mitigating the difficulties of many farmer families, helped to perpetuate the social inequalities between them. For this reason, I moderated my initial belief in the sense of underlying social equity and justice to the “entreajuda”. On the other hand, the disarticulation of the space and the time, introduced by the globalization and modernization, makes the members of the ACA unfamiliar, or strange, one to another, separated by the nature and dimension of their interests, and more and more they are expose to the languages and conceptualizations that they do not dominate, or dominate badly. In conformity with this fact, I raised the hypothesis, later verified, that the ACA are new social constructions, and not some kind of “entreajuda” form.
Chapter two contains the theoretical and conceptual framework that allowed the construction of the object of this study. I reviewed the literature about the ACA, as organizations of the third sector, and the literature about the theories of personal and professional identities. Among the different theories of the personal identity, I centred my attention on the logic of the “subjectivação” proposal by Dubet (1996), which grants great importance to the actor’s role, the interaction between actors and the interaction between actors and institutions. The construction of the professional identity of the ACA technician and the construction of the ACA as collective identities can be describe as a shared process. Thus, if I’ am able to understand this shared process of the identity construction, I’ll reach the main objective, that is, to study the agrarian associative and cooperative movements in Trás-os-Montes and Alto Douro (TMAD) from inside, in order to contribute for the evolution of those movements. Still in this chapter, I theoretically develop, in a brief and hypothetic way, the problematic of the professionals’ knowledge use.
The third chapter treats the followed methodological options. The present work compelled us to the mobilization of knowledge of social sciences and agronomics sciences. Within the social sciences, I benefited, particularly, of the social interaction theory proposed by Mead. The methodology talks about the intentions and the accomplishment of the different research phases. Along the text, I introduce some methodological notes; this is due to desire of synchronizing the moments of methodological reflection with the experienced facts.
The chapter four stresses, in quantitative terms, the present conditions of the ACA in TMAD. I found out that the ACA are in superior number to the desirable and necessary ones (one hundred and fifty) their problems are due to the lack active participation of their members and not because the lack of their material and technical resources. From the technicians’ I took notice of their main missions and problems, of their positioning in relation to the public organizations and private sector, the technical and relational modus vivendi, and the degree of satisfaction with the conditions of work and with the results of ACA missions. We present, finally, a case study of one well succeeded ACA.
The fifth chapter refers to the construction of the professional identity of the ACA technician. I pointed out the relative homogeneity of this professional group. However, it is possible to find different identifications to respect with the origin, professional situation and representation of the position of the ACA in the agrarian field. I observed
the relevant role of the primary socialization (the technician’s linkage to the agrarian activity and to the rural environment of TMAD) and of the secondary socialization, it means the agrarian higher education and in work context (interaction with other actors of the ACA).
The sixth chapter develops the way in which the technicians of the ACA, in their quotidian professional intervention, use the abstract and the implicit knowledge. The style of use of the knowledge constitutes a distinctive feature of the professional identity. The contextualization process is a specific combination of the three senses of the knowledge use: the technical and strategic sense, the interpretative sense and the contextual sense in its both relational and prudential dimensions.
The seventh chapter focuses the relation between enters the technicians’ professional identity and the knowledge use in context of their work. I verified that the style of the knowledge is a very distinctive mark of professional identities, although shaped by the inter-linked effect of the origin and the technicians’ professional situation. In conformity, with the construction of the technicians’ professional identity and the ACA (as a collective identity), is a shared process, being complex, and perhaps unnecessary, whether a collective identity of the ACA that shapes the technician, or the technicians’ professional identity that shapes the ACA. I prefer to think that both emanate from the same substance: the cultural, socioeconomics and politics vicissitudes of TMAD.
Finally, in chapter eight, I try to answer to the questions raised at the time of the construction of object this study. However, some of the initial questions had been changed and others had emerged from the most advanced phases of the research. In contrast with the three preceding chapters, in which the results are presented and analysed, in this one the researcher stands out his thought the observed phenomena, although he respects the essence of the collected opinions and the shared experiences with the actors of the ACA.