Qualquer abordagem de uma patologia (nomeadamente a oncológica) implica
o conhecimento existente, a cada momento, sobre a história natural da
doença. E esse conhecimento tem aumentado significativamente ao longo
dos anos.
Essa abordagem não se restringe ao “mero” diagnóstico e tratamento, mas sim exige
que toda se realize uma abordagem longitudinal dessa história natural da doença, bem
como diversas abordagens transversais comparativas de situações similares.
A Organização Mundial da Saúde, classicamente, divide a “prevenção”, na vertente
oncológica, como prevenção primária, secundária, terciária e quaternária, na referida
abordagem longitudinal.
Se, ao longo do tempo, a prevenção primária era enquadrada numa perspetiva de
identificação e afastamento de fatores de risco “verticalizados” (um fator de risco – uma
doença), ela foi-se “horizontalizando”, enquadrando uma visão de concomitância e sinergia
de um ou vários fatores de risco para uma ou várias doenças, e aumentando a importância
dos fatores genéticos e hereditários potenciadores (e inibidores) no aparecimento
da doença (ver o “desdobramento” da prevenção em “primordial” e “primária”).
Mas a multicausalidade em oncologia é enorme, o conhecimento ainda, e sempre, insuficiente
e a modificação voluntária dos comportamentos exige anos, pelo que a prevenção
secundária foi conquistando maior importância. A tecnologia foi-se apurando,
a oferta de cuidados de saúde foi aumentando e aproximando-se geograficamente das
populações, pelo que foi possível ir introduzindo “desvios” benéficos na abordagem
clínica do diagnóstico, dirigindo-se, cada vez mais, para o rastreio organizado populacional
e menos para o diagnóstico clínico (com o objetivo último, de eliminação do “rastreio oportunístico” que, em última análise, não é mais do que a incapacidade da sociedade
em fornecer cuidados estruturados à população).
O aumento do diagnóstico precoce tem forçosamente de ser acompanhado por um
tratamento temporalmente adequado e clinicamente de qualidade, equilibrando também
a necessidade de ser realizado em centros com experiência e multidisciplinaridade, tecnologicamente
adequados, mas geograficamente acessíveis aos doentes. Será um dos
maiores desafios para o futuro. A inovação deverá ser continuada e incentivada, mas distinguindo-
a da “novidade”.
Um caminho progressivo de sucesso nestas áreas permitiu e permitirá que haja também
um desvio de sentido oposto ao anterior. O aumento da sobrevivência, com qualidade
de vida, é um dos aspetos atualmente mais discutido nos dias de hoje (em que a doença
oncológica se está, cada vez mais, a tornar uma doença crónica), o que se reflete, por
exemplo, no esforço que vai sendo feito para que o “sobrevivente” seja apoiado no seu
regresso pleno na sociedade (da qual deve e tem de ser um elemento completamente enquadrado,
mesmo que com alguma adaptação orientada).
E alterações que estão a ser introduzidas na terminologia (cuidados domiciliários,
continuados, paliativos) são apenas reflexo do sucesso daquilo que tem sido conseguido
e da introdução consciente e verbalizada da necessidade de humanização de cuidados e
da consciencialização de que, na proximidade da morte, pode e deve haver “qualidade”
de cuidados profissionais e humanos.
O presente livro não é, deste modo, apenas informação, conhecimento e reflexão
sobre o cancro, mas o seu conteúdo pode ser expandido e adaptado a toda a doença oncológica
e, no geral, para o binómio saúde-doença.